“ANOS POR SEGUNDO / HORAS POR MESES / TODO DIA” por Luís Alexandre Lobot

“ANOS POR SEGUNDO / HORAS POR MESES / TODO DIA”

“Rumo a rumo de lá, mas muito para baixo, é um lugar. Tem uma encruzilhada. Estradas
vão para as Veredas Tortas – veredas mortas. Eu disse, o senhor não ouviu. Nem torne a
falar nesse nome, não. Lugar não onde. Lugares assim são simples – dão nenhum aviso”
Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”
Ao escrevermos sobre o fazer artístico, temos que correr um risco. Só assim podemos estar rente à experiência viva
de seu gesto, junto ao cotidiano do artista a fim de nos acoplar ao umbigo de seus devaneios, aonde nascem os seus
desejos mais íntimos, as imagens de seu destino mais sincero. Só assim podemos, sem ornamentos ou ganhos secundários, expor algumas intenções conscientes e inconscientes que fizeram Luis Alexandre Lobot se levantar todos os
dias da cama para produzir algo relevante e correr o risco de se expor através de suas pinturas.

Daqui posso afirmar que Lobot em “ANOS POR SEGUNDO, HORAS POR MESES, TODO DIA”, não pensa como
pensava antes. Me arrisco ainda a dizer que ele não funciona mais convencionalmente, ou seja, como um artista que
precisa de um tema para pintar. Suas novas pinturas, inseridas em seu cotidiano, são o resultado do traquejo
existencial de um artista em tempo integral, onde pintar faz parte de sua musculatura e de seu aparato psicológico,
sendo este o seu modo de pensar, comer, beber, imaginar e contar-nos uma história.

Lobot cria imagens como Guimarães Rosa fez com as palavras quando escreveu a saga sertaneja do cangaceiro
Riobaldo Tatarana, nosso Ulisses brasileiro. A história da vez, horas a fio, tem com os doze trabalhos de Hércules em
conversa com os doze anos da A7MA galeria.

Um personagem, figura enigmática sempre presente nas pinturas do Lobot e que já teve vários nomes, ganhou mais
corporeidade e impessoalidade, tomando o primeiro plano da tela, sem rosto, emprestando-nos a sua rostidade. Como
um “semionauta”, um astronauta da semiótica que navega pelo universo simbólico, propondo amarrações mitológicas,
fazendo e desfazendo nós, unindo e desunindo culturas distintas, ele nos convida a imprimir nele o rosto de nossas
histórias.

Sem rodeios, Lobot nos sugere a revisão decolonial dos mitos gregos, para citarmos um exemplo, que são devorados por uma rusticidade nordestina, pelo concretismo e crueldade antropofágica de um Brasil interiorizado. Tons ocres
e marrons nos põe à terra no sentido de um lugar tanto subjetivo, íntimo e devaneante, como de uma terra histórica,
habitada pelos povos originários e nordestinos. Aqui a traquitana lobotiana que trabalha incansavelmente todos os dias,
sempre ao lado dos vencidos, mastigando dez mitos por segundo, gera uma fricção-ficcional entre o mundo imaginário
que está em todos nós e a terra velha que já aqui estava antes dos símbolos e delírios humanos.

Surrealismo mítico, concretismo de cangaço, técno-xamanismo de adobe, metadados antropofágicos, realismo
abstrato de cumeeiras ou a estética da fome e das bençãos humanas, são alguns termos que devaneamos sob as
novas paisagens do Lobot: horas por meses, terra, todo dia sol a pino, a materialidade sintética de uma pintura
brasileira.

Somos capturados pela serpente de mil cabeças, como um filósofo da tauromaquia domando o boi Hindu pelo chifre,
descalço, pé rachado, chão de terra e o dragão chinês das viagens sem fim, quando sentimos que as histórias-estórias
de todas as culturas humanas são enxertadas nas nossas, uma a uma, todo dia, horas por meses, anos por segundo,
mudando o curso de nosso rio. Nos vemos atordoados como a um trapo de anti-herói brasileiro. Herberto Helder,
sempre um poeta, todo dia, nos ajuda a compreender a intenção do dragão imaginário que voa gritando sob nossas
cabeças. E ele nos responde em suas Antropofagias, texto I:

“queremos sugerir coisas como ‘imagem de respiração’/ ‘imagem de digestão’/ ‘imagem de
dilatação’/ ‘imagem de movimentação’ (…) não tentamos criar abóboras com a palavra ‘abóboras’ (…) no centro/ introduzimos furtivamente planos que ocasionam ocupações (‘des-sintonizar’ aberto o caminho para antigas explicações ‘discursos de discursos de discursos’
etc.) / fixemos essa ideia de ‘planos’/ podemos admiti-los como ‘uma espécie de casas’/ ou
‘uma espécie de campos’/ e então evidente para serem habitados percorridos gastos”

Ah, tá bom tá certo! O Lobot insiste em soprar o fogo animado das paisagens repletas de linguagem-vida. Uma elegia
simbólica cotidiana e interminável de catalogação das coisas, pessoas e fatos, dignificando-os como quem não faz nada
mais e nada menos do que viver pintando, riscando e se arriscando no lance do risco que é ser artista e ter uma vida
estruturada no terreno árido, móvel e arenoso da arte brasileira. Nonada!, como diz Tatarana, “viver é muito perigoso”

Texto por Bruno Pastore, filósofo, escritor e poeta lobotiano.

 

Exposição

“ANOS POR SEGUNDO / HORAS POR MESES / TODO DIA”
Luís Alexandre Lobot

Data: 08/08
Horário: 16h

Local: Rua Medeiros de Albuquerque, 250 – Vila Madalena – São Paulo – SP

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