O Hierofante

O Hierofante

“O Hierofante”, o quinto arcano maior do tarô, também conhecido como “O Papa” ou “O Sacerdote”, representa o papel de líder espiritual e de intermediário que conecta a pessoa com a dimensão mais abstrata da experiência humana, oferecendo ensinamentos, orientações, magias e rituais sagrados. A carta simboliza uma figura presente em diversos sistemas religiosos e místicos, a que desempenha o papel de ponte entre o divino e o
humano, por isso, também é chamada “O Pontífice”.
Além disso, esse arcano denota a busca pelo conhecimento interior e a descoberta de um propósito, reconhecendo nossa necessidade de nos auto-organizarmos através de tradições, crenças e manifestações litúrgicas que ofereçam um senso de pertencimento e
conexão com uma comunidade.
No título da exposição de Marcelo Santvs, “Hierofante” sugere também uma metáfora, que representa o papel do próprio artista como intermediário entre os símbolos e o público.
Os trabalhos apresentados por Santvs são dotados de uma enorme carga simbólica que, assim como cartas de tarô, parecem estar acenando para chamar nossa atenção e nos passar uma mensagem. São símbolos que possuem um significado religioso (em especial
aqueles relacionados com as manifestações populares), cultural e/ou de consumo. Búzios, cartas de tarô, fitas e chapéus se relacionam de maneira direta ao terreno do sincretismo no Brasil. Porém, os elementos com maior destaque e que aparecem com mais recorrência se referem principalmente ao catolicismo, religião com maior número de adeptos no país e que foi a base da fusão das diferentes doutrinas religiosas, com numerosas reinterpretações de
seus elementos: santos, santas e cruzes.
Vivemos em um mundo de símbolos. Como humanidade, interagimos por meio deles, entre nós, com outros elementos da natureza e com o invisível. Nós os observamos, os identificamos e lhes damos significado, que podem ser conceitos objetivos, subjetivos,
memórias e emoções. A construção de nossa identidade e a afirmação de nossa personalidade passam por eles, que materializam nossa necessidade de nos comunicarmos e pertencermos.
Na obra Código Civil brasileiro e seus santos, por exemplo, o artista pontua a influência da instituição religiosa na nossa esfera civil e política, que tem início no período colonial e mantém sua influência e interferência até os dias de hoje. As imagens das artes sacras
quebradas, que também aparecem com constância em outras obras, são pintadas em edições interpretadas do Código Civil brasileiro publicadas em 1980, 1989 e 2022, como fragmentos de um mundo em ruínas. Parecem representar o desamparo e a dificuldade de
lidarmos com o descarte de um elemento sagrado que não mais nos serve. Como dispensar e substituir algo que, durante o seu tempo de existência, validou valores e teve tanto significado para nós?
Em sua maior parte, não obstante, o artista parte de imagens e narrativas religiosas e ritualísticas lado a lado àquelas das culturas contemporâneas do consumo e de massa. São Francisco de Assis é retratado com o logo da JBS em sua túnica (sem título, 2021), Buda veste um quimono do McDonald’s (McFullness, 2022) enquanto um Mercedes conversível se camufla entre as fitas características do figurino da congada (Congada, 2023), uma
complexa contradição entre o sagrado e o profano, o espiritual e o capital, o interno e o global.
São obras com inúmeros estímulos e uma vasta camada de ideias sobrepostas e concomitantes, que me arrisco a correlacionar com a nossa atual experiência ultradigital: as imagens compartilhadas que nos inundam, o incessante engajamento social, a ânsia pelo
infindável colecionismo de likes, as viciantes notificações e a fugacidade das vivências. São dogmas virtuais que têm como devotos milhões de seguidores por todo o globo.
Santvs trabalha com incontáveis sobreposições até chegar ao resultado final, em camadas de tintas, imagens e objetos. São estratos também das referências que acompanham o artista. A obra Instalação #01 intersecciona a linguagem da arte de rua e materiais encontrados em sua pesquisa de campo, realizada em locais como a rua, cemitérios, antiquários, ferros-velhos, terreiros, capelas e estradas. Parte integrante da instalação, uma
caixinha de madeira abriga estatuetas de santos e dá suporte a uma embalagem de remédio contra enxaqueca, em contraste com a colagem de uma mulher seminua. Ao lado, dois símbolos são sobrepostos: uma bandeira do Brasil é pichada com o martelo e a foice,
representantes do comunismo. A flâmula que deveria exprimir a identidade de uma nação foi, atualmente, cooptada por determinado espectro político e passou a representar esse grupo; já o símbolo do comunismo, em contrapartida, passou a caracterizar o grupo oposto.
A proposta dessa obra acentua a capacidade de transformarmos e ressignificarmos representações a partir do pacto social.
Vale elucidar que Santvs não tem a intenção de fazer críticas às religiões e crenças. Sua pesquisa, seu interesse e sua vivência prática sobre o tema buscam debater dilemas comportamentais e espirituais, a construção e desconstrução de crenças, pois são os
símbolos sagrados, de qualquer natureza, que carregam a soma das nossas buscas e que estão sempre disponíveis para despertar o divino em nós. A existência humana está construída em torno dos símbolos; não existe ser humano sem símbolos. Segundo a Bíblia, o livro mais lido do mundo, nós mesmos podemos ser um símbolo em si, visto que, segundo a obra, fomos criados à imagem e semelhança de Deus.
Maíra Marques

 

Exposição: O Hierofante – Marcelo Santvs
Abertura: 25 de maio de 2023, às 16h (quinta-feira)
Encerramento: 02 de julho de 2023, às 17h (domingo)
Segunda a sábado, das 11h às 19h; Domingos, das 12h às 17h

A7MA Galeria
Rua Medeiros de Albuquerque, 250 – Vila Madalena, São Paulo
+55 11 95301-1796
Entrada gratuita

Biba Fonseca – biba@vicentenegrao.com | 11 99271-5037
Alisson Schafaschek – alisson@vicentenegrao.com | 47 99250-4678
Alex Olobardi: alex@vicentenegrao.com | 11 94066-4776

FOTOS GALERIA:

FOTOS ABERTURA:

Carrinho de Compras0
Seu carrinho está vazio =(
Continuar Comprando
0