Coragem
Cores em tons reais
De Juvenais e de Raimundos
Tantos Júlios de Santana
Nessa crença num enorme coração
– Gonzaguinha
Autor
O retrato se consagrou ao longo da história da arte com reproduções fidedignas das pessoas de status elevados em determinadas sociedades. Uma reprodução que buscava, em muitos momentos, fornecer elementos de importância à nobreza, ao alto clero e aos senhores de posses retratados.
As gentes comuns, quando retratadas, normalmente estavam atreladas às análises sociais como na escravidão e nos processos migratórios. É preciso coragem para retratar em primeira pessoa toda essa gente brasileira como realiza Jeff Alan nesta exposição.
O caminho poético através do retrato permite o reconhecimento do retrato através das nuances e subjetividades do retratista. Tal produção artística precedeu o retrato fotográfico e possibilitou grande reconhecimento aos artistas especializados nessa forma de produção artística.
Ao retratar pessoas de seus contatos cotidianos, naturais e verdadeiros, Jeff inverte a lógica retratista clássica e joga luz sobre a brasilidade natural e potente que permeia seus caminhos. Retratar rostos comuns e ao mesmo tempo genuinamente brasileiros requer coragem de seguir pelo caminho da produção artística mais verdadeiro e, consequentemente, mais desafiador.
Os retratos aqui apresentados por Jeff permitem a ousadia de tornar o comum uma obra de arte e, portanto, dotado de grande potência. Se em outros momentos, os adornos nos retratos eram espadas, coroas, mantos e escudarias douradas. Aqui, os adornos passam a ser os elementos característicos da afrobrasilidade como a planta comigo-ninguém-pode, as conchas de búzio e as cores que contrastam com as peles negras.
O convite apresentado por Coragem é o da percepção da potência poética dos encontros reais que cruzam os caminhos de Jeff Alan. Fruto do olhar atento e de sua percepção sensível, os retratos aqui expostos partem de um processo artístico político da escolha de retratar o que antes seria banal e comum e se torna fascinante e extraordinariamente real.
Entidades fantásticas e infâncias feridas
Isabela Santos é uma artista mineira radicada em São Paulo que nos presenteia aqui com sua primeira individual. Em telas, madeiras, cestaria e bonecos de pano, por cores efusivas, puxados para tons pastéis, nos são apresentados personagens infantis, afro indígenas, em formas simplificadas. É um trabalho onde a infância é o interesse temático e estético. Entre flora, fauna, medos, melancolia, questões familiares, comemorações, folclore, alegrias e monstros, vemos uma densa infância.
Embora seja sua primeira exposição individual, sua vasta experiência na produção de imagem como designer e ilustradora fica visível na sofisticada variedade de faturas em delicadas transparências ou pesadas pinceladas, aqui apresentadas juntos a elementos de uma imagética comum ao contexto escolar como o bordado em lã ou colagem de pedaços de papel ou o giz/giz pastel. Todos esses elementos nos abrem para diversos universos dentro de uma mesma imagem.
Santos é uma mulher mestiça, afro-indígena, e seu trabalho acontece dentro de seu lugar de fala, pensando sua identidade, não por um ativismo consolidado, mas em uma busca emocional e espiritual. Na obra Barbie Core, por exemplo, onde uma criança negra, retinta, parece cair em meio a peças de barbies loiras com olhos azuis, em um fundo de nuvens com corações partidos. Pessoas negativamente racializadas, que cresceram nas décadas de 80 e 90, no Brasil, viveram uma quase total ausência de imagens de crianças semelhantes a nós em produtos culturais produzidos na época. Sinto que nos foi negada uma humanização e afetividade na imagem, elementos que Santos busca recuperar aqui.
Desde o modernismo temos um amplo debate sobre o desenho infantil, chegamos a ver a apropriação dessa visualidade por grandes nomes como Picasso, por exemplo.
Mas me questiono se de fato conseguimos valorizar essa estética e se realmente buscamos levar a sério a produção infantil.
Além disso, não é raro perceber que até a atualidade a infância segue sendo um tema menor em nossa sociedade, como se os assuntos relacionados a ela fossem interessantes apenas as próprias crianças e as mulheres que delas cuidam.
Precisamos entender a infância não como estado de seres subdesenvolvidos, mas como uma fase de seres potentes, capazes de tomar decisões sociais, que precisam ser amados para florescermos uma sociedade melhor. Acredito na pintura de Santos como um convite a uma busca por nossas crianças interiores e por um maior respeito pelas crianças que nos cercam.
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Entre as obras ilustradas por Santos cito Procura-se Carolina de Otávio Júnior sobre a história da escritora Carolina Maria de Jesus, Menino Benjamim também de Otávio Júnior sobre a história de Benjamin de Oliveira o primeiro palhaço negro no Brasil.
por_Alice Lara
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Sobre Isabela Santos
Isabela Santos é uma artista mineira, parda, radicada em São Paulo, que experimentou o Brasil Grande através de sua infância e adolescência. Nascida em Belo Horizonte em 1981, seu contexto familiar proporcionou a migração pelo centro-norte do Brasil durante as décadas de 80 e 90, divida em vivências entre Brasília, Goiás, Tocantins, Sul do Pará e Sul do Maranhão.
O contato com diversos Brasis e biomas é retratado na sua pintura, desde a referência à infância mestiça inserida na classe média trabalhadora da época e sua escassez em representatividade, à integração com os elementos e seres do cerrado e da floresta amazônica, registrados através de símbolos da cultura pop dos anos 80 e, paralelamente, de formas orgânicas e tropicais.
Bacharel em Design Gráfico pela Universidade Estadual de Minas Gerais, em 2004, desenvolveu ao longo dos últimos 20 anos um trabalho focado na ilustração editorial infanto-juvenil. Esse traço também se faz presente em sua obra como artista visual, no uso de personagens, cores, colagens, bordados simples e enredos próprios desse universo.
Recentemente, a inclusão de elementos fantásticos, imaginários, ancestrais e espirituais se faz presente em suas obras; fruto de uma pesquisa particular e introspectiva direcionada à cura das infâncias feridas, de forma individual e coletiva.
SERVIÇO Exposição “Coragem & Entidades fantásticas e infâncias feridas” – Jeff Alan e Isabela Santos (Isa)
Abertura: 19 de janeiro de 2023 às 16h
até 07 de Fevereiro de 2023
Quinta-feira , das 16h às 19h
Sexta-feira a sábado, das 11h às 19h
Domingo, das 12h às 17h
A7MA Galeria — Rua Medeiros de Albuquerque, 250
Vila Madalena São Paulo
+55 11 95301-1796
Entrada gratuita
Informações para imprensa:
a7magaleria@gmail.com
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